A vida é um espetáculo improvisado
A vida na hora.
Cena sem ensaio.
Corpo sem medida.
Cabeça sem reflexão.Não sei o papel que desempenho.
Só sei que é meu, impermutável.De que trata a peça
devo adivinhar já em cena.(Wisława Szymborska)
Chegamos a mais um dia 23. É, eu sei que no último dia 23 não apareci. A gente planeja, planeja, planeja e vem a vida e dá uma rasteira. Acontece. Por isso iniciei essa newsletter com um trecho do poema A vida na hora, da polonesa Wisława Szymborska. Afinal, tudo acontece sem ensaio e ai de quem não tiver jogo de cintura. Viver é saber improvisar.
Mas qual o sentido disso tudo? Da vida? Desse um dia após o outro, das listas de tarefas que muitas vezes não são cumpridas – e mesmo das atividades que realizamos? Será que a vida tem mesmo um sentido? Esse é um dos maiores problemas filosóficos, uma questão sobre a qual muitos pensadores se debruçaram.
O absurdo da existência
Para Camus, por exemplo, o único problema filosófico é o suicídio – ou seja, se a vida vale ou não a pena ser vivida. (Spoiler: ele acha que sim, vale a pena viver.) Camus pega emprestada a mitologia grega, mais precisamente o mito de Sísifo, para falar sobre o absurdo da vida. Sísifo, segundo a mitologia, foi condenado a passar seus dias rolando uma pedra até o alto de uma montanha só para vê-la rolar para baixo novamente – e então ele começava tudo de novo.
E não é mais ou menos isso a nossa vida? Um dia seguido do outro, em que realizamos tarefas repetitivas? E conscientes de que um dia iremos todos morrer? Pensar nisso não torna a vida meio... Absurda (sem sentido)? É desse absurdo que fala Camus.
Você agora pode estar se perguntando: mas se a vida é assim tão repetitiva, onde está o improviso? Uma resposta possível é que sempre vai ser necessário improvisar, porque, como disse lá em cima, a vida tem suas rasteiras. Na vida do Sísifo, depois de condenado, talvez não houvesse brecha para o inesperado, mas na nossa, sempre haverá.
Viver é improvisar
Uma metáfora interessante sobre a nossa existência é a que o filósofo espanhol Ortega Y Gasset utiliza numa aula que ministrou em 1929. Nela, Ortega compara a vida (o nosso estar no mundo) com a situação de uma pessoa que está dormindo e é levada para o palco de um teatro. Então ela é acordada e de repente se vê ali, diante do público. O que essa pessoa vai ter que fazer? Ela vai precisar lidar com aquela situação da melhor forma possível: interagir com os objetos em cena ou com outros atores. Vai precisar de jogo de cintura para resolver aquele problema inesperado e para o qual ela não foi preparada.
Para Ortega, a vida é isso: um problema que precisamos resolver – e na base do improviso.
E assim voltamos a Wisława Szymborska, que também fala da vida como uma peça de teatro improvisada:
Se eu pudesse ao menos praticar uma quarta-feira antes
ou ao menos repetir uma quinta-feira outra vez!
Mas já se avizinha a sexta com um roteiro que não
conheço.
O jeito é seguir, rolando nossa pedra morro acima dia após dia e usando nosso talento criativo para lidar com os rasteiras da vida. Somos todos atores numa peça de teatro sem ensaio. O objetivo é chegar ao último ato sabendo que ao longo do espetáculo nós improvisamos da melhor maneira possível.
Livros:
Poemas - Wisława Szymborska
O mito de Sísifo - Albert Camus
O que é filosofia? - José Ortega Y Gasset
(links comissionados)
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Até o próximo dia 23!
Márcia S.