A amizade é, de fato, uma virtude, ou implica virtude e, além disso, ela é o que existe de mais necessário para a vida. Certamente, ninguém escolheria viver sem amigos, ainda que tivesse todos os outros bens.
Aristóteles, em Ética a Nicômaco
No último dia 20, apareceram posts e mais posts nas redes sociais comemorando o Dia da/o Amiga/o. Coincidentemente, este mês foi, para mim, um período de reencontros com pessoas queridas que eu não via pessoalmente há muito tempo. Amigas e amigos que fizeram parte de momentos importantes da minha vida e que continuavam próximos, sim, mas apenas virtualmente, pelas telas das redes sociais.
Foram dois os encontros: o primeiro com três amigas que cursaram uma pós-graduação em Artes Visuais comigo em 2007; o segundo, com amigas e amigos que estudaram comigo no segundo grau (ensino médio é para os xóvens), lá nos idos de 1996 e 1997.
Na época da pós, eu e minhas três amigas tínhamos filhos crianças. Neste reencontro, falamos sobre o que eles estudam na faculdade. Colocamos anos de assuntos em dia durante as sete horas em que estivemos juntas. Faltou tempo, claro, mas sobrou carinho e reconhecimento – estamos para sempre unidas pela arte.
Máquina do tempo
Sobre o segundo encontro, desculpe o clichê, mas: foi como voltar no tempo. A impressão é de que entrei no DeLorean com o Dr. Brown e fui parar nos anos noventa, quando eu ainda não tinha cabelos brancos, não usava óculos bifocais e meu estojo de lápis era maior do que a bolsinha de remédios.
O que mais me chama a atenção nestes eventos é que sempre chega um momento em que, passado o estranhamento inicial de encontrar alguém depois de tanto tempo, a conversa passa a fluir como se nunca tivéssemos nos separado.
Acredito que isso acontece porque, por mais que estejamos diferentes fisicamente e nossas vidas tenham tomado rumos distintos, a essência continua a mesma. Envelhecemos, isso é fato – ou ganhamos experiência, como alguns gostam de dizer. Porém, o senso de humor de um, o jeito de falar e a risada de outro – cada característica que eu reconhecia como algo que já existia antes, me fazia perceber que, no fundo (bem lá no fundo), pouca coisa mudou.
Encontros assim me fazem relembrar quem eu sou, seja pelos interesses que compartilhamos (a arte, por exemplo) ou pelas boas lembranças de uma época em que todos tínhamos muitos sonhos a realizar.
Tudo bem que todo dia eu tenho aqui comigo um representante daquele passado distante, pois conheci meu marido exatamente naquela turma de 1996. Mas nós crescemos juntos, mudamos juntos, encaramos diversos problemas sempre juntos e, com toda essa vivência, veio a sensação de que nos afastávamos daqueles adolescentes que fomos no século passado. O dia a dia cobre com um véu o nosso ser mais profundo.
Vinte e tantos anos e dois filhos depois, o reencontro com os amigos de colégio foi, tanto para mim quanto para ele, um delicado levantar desse véu - um breve resgate de um tempo em que nosso maior problema estava na apostila de matemática.
Da amizade
No livro Ética a Nicômaco, Aristóteles faz uma análise sobre o agir humano. Na oitava parte da obra, o filósofo discorre sobre a amizade. É lá que você pode encontrar o trecho que destaquei no início desse texto: “Certamente, ninguém escolheria viver sem amigos, ainda que tivesse todos os outros bens.”
Amigos são mesmo um bem precioso – para Aristóteles, o mais precioso. Eles nos trazem de volta ao que há de essencial em nós, ao que somos fora das redes sociais – que nem existiam em 1997; e em 2007 era só o quê? Orkut? Nosso zap eram os bilhetinhos escritos em folha de caderno e trocados na sala de aula.
Para encerrar, quero citar um trecho que acho lindo do ensaio Da amizade, escrito pelo filósofo francês Michel de Montaigne, sobre sua amizade com o também filósofo Étienne de La Boétie – amizade que Montaigne definia como um entrosamento de almas. Esse trecho mostra que é de essências que se faz uma grande amizade:
Se insistirem para que eu diga por que o amava, sinto que o não saberia expressar senão respondendo: porque era ele; porque era eu.
P.S.: Enquanto escrevia este texto, o tempo todo estava “tocando” na minha mente o refrão da música A amizade, do grupo Fundo de Quintal.
O que estou (re)lendo:
A dica de hoje é uma obra que tem amizade, arte e literatura no enredo. Em 2018, eu conheci o livro O que eu amava, da autora americana Siri Hustvedt, por indicação de alguém no Instagram. Fiquei interessada porque vi que a trama envolvia o mundo da arte. Apesar do interesse, confesso que comecei a ler sem muita expectativa – lia no kindle, só na hora de dormir. Acontece que a história foi ficando envolvente e eu já não queria parar a leitura para dormir. O resultado é que passei a ler este livro durante o dia, para aproveitar mais. E quando terminei, fiquei com saudade, queria ler tudo de novo.
É o que estou fazendo agora. O que eu amava é narrado por Leo, um historiador e crítico de arte que, fascinado por uma obra que vê em uma galeria, vai atrás do pintor, William Wechsler, que logo vira seu melhor amigo. Vinte e cinco anos depois, Leo conta como a amizade entre os dois foi crescendo e envolvendo suas famílias. William era casado com Lucille, uma escritora; e Erica, mulher de Leo, era professora de inglês.
E aqui eu peço a sua licença para usar um trecho da sinopse da quarta capa do livro, porque ainda estou no início da releitura, então não me lembro do que acontece ~risos~ (memória fraca, desculpa):
“(...) enfim, uma vida repleta de literatura, arte e harmonia. Pelo menos até o dia em que os laços que uniam as duas famílias são abalados – primeiro por uma tragédia e depois por uma monstruosa descoberta que secretamente vai se consolidando página após página.”
Na época, eu achei o livro muito bom. Reler é sempre perigoso, porque há o risco de desfazer o encanto anterior e eu pensar: ué, mas o que foi que eu gostei tanto nesse livro? Decidi correr esse risco.
Por enquanto, só tenho lido na hora de dormir.
[A notícia ruim é que o livro físico está esgotado; a boa é que dá para comprar alguns exemplares na Estante Virtual (comprei o meu lá – eu tenho esse mau hábito de comprar o livro físico quando gosto muito de algo que li no kindle). Para os fãs de leitores digitais, é possível comprar o e-book.]
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Até o próximo dia 23!
Márcia S.