Sobre escrita e atividade física
Escrita, corrida, Murakami e a minha 237ª tentativa de praticar atividade física regularmente
Doze anos atrás, em 2010, eu participei da minha primeira corrida de rua. Havia começado a treinar alguns meses antes com um personal trainer, que correu comigo os 5 km. Não sei se você que está lendo corre ou já correu e achou fácil, mas para mim, sempre foi um sacrifício. Vejo gente dizendo que a corrida ajuda a pensar na vida, é quase uma terapia etc. Meus pensamentos quando estou correndo são bem diferentes: Quantos km? Não aguento mais, vou parar. Só mais um pouquinho. Que inferno, isso não acaba nunca.
Eu disse “quando estou correndo”? Mentira. Eu não corro mais. Entre 2010 e 2013 participei de diversas corridas de 5 e 10 km e então veio a vontade de dobrar a meta: resolvi participar da meia maratona do Rio. Eu não sabia onde estava me metendo. Uma meia maratona são 21 km. Para quem conhece o Rio: o percurso ia da Barra da Tijuca até o Flamengo. Mas o problema não era a corrida. O problema eram os treinos.
Três vezes por semana eu fazia treinos mais curtos – não me lembro direito, mas acho que variavam entre 6 e 10 km. Mas o que eu me lembro bem é dos domingos. Eu e o Mário (marido) acordávamos bem cedo e íamos para a praia da Barra correr 12 km; depois 14; depois, mais perto da data da corrida, chegamos aos 16 km. Agora imagina como era correr 16 km pensando Quantos km faltam? Não aguento mais, vou parar. Só mais um pouquinho. Que inferno, isso não acaba nunca. E imagina também como era correr isso tudo no verão carioca.
Correr e escrever
O escritor japonês Haruki Murakami escreveu um livro que virou quase uma bíblia para os escritores que gostam de correr (ou que correm mesmo sem gostar): Do que eu falo quando eu falo de corrida. Ele compara a corrida ao ofício do escritor. Murakami conta que começou a correr em 1982, quando percebeu que o trabalho como escritor fazia dele uma pessoa sedentária. Como não gostava de esportes de equipe, viu na corrida o exercício ideal, já que gostava de passar um tempo sozinho e nunca viu graça em competir – a não ser com ele mesmo.
Forçar a si mesmo ao máximo dentro de seus limites individuais: essa é a essência de correr, e uma metáfora aplicável à vida – e, para mim, ao ato de escrever, também.
Todo mundo sabe – ou deveria saber – que praticar exercícios faz bem não só ao corpo, mas também à mente. Murakami diz no livro que escrever romances propicia um estilo de vida pouco saudável e afirma que correr o tornou mais forte não só física, como emocionalmente.
Diz também que para ver algo aparentemente injusto – no caso, sua facilidade para engordar – pelo lado bom, é preciso vê-lo a longo prazo. Por isso afirma achar uma bênção o fato de precisar se esforçar (aqui eu acho que ele forçou um pouco, mas ok), pois assim ele está garantindo uma velhice mais saudável do que a de alguém que não se exercita. E compara esta situação ao ofício do escritor, que necessita de esforço e consistência para escrever um romance – e é isso que o torna eficiente.
Ainda comparando a corrida com a escrita, o autor enumera as três maiores qualidades para um romancista: talento, concentração e perseverança – e as duas últimas podem ser adquiridas e aperfeiçoadas por treinamento, assim como a corrida.
A maior parte do que sei sobre escrever, aprendi correndo todos os dias.
Chegou o dia
No final de julho de 2014, finalmente veio a minha tão aguardada meia maratona. Consegui correr durante 14 km, depois alternei corrida e caminhada. O importante era completar o percurso, e eu consegui, mesmo com todos aqueles pensamentos que você já sabe quais são. Mas depois veio outro problema: ok, eu havia alcançado o meu objetivo, que era completar a corrida. E agora? Correr uma maratona nunca foi uma opção. Se sofri com os treinos para a meia, imagina treinar para 42 km. Jamais. Então aconteceu algo que eu lamento até hoje: desanimei e parei de correr.
Murakami conta que, em 1996, após correr uma ultramaratona de 100 km (afff), perdeu o entusiasmo pelo ato de correr. Segundo ele, foi uma fadiga mental, mais do que física. Depois dessa ultra, ele diminuiu as distâncias percorridas, voltando ao que era o seu normal: uma maratona por ano (mas depois foi praticar triatlo...).
De 2014 pra cá, eu tentei várias vezes voltar a correr, sem sucesso. Começava a treinar, mas logo lembrava da dificuldade que me aguardava e desanimava novamente. Dizem que o corpo tem memória e ~lembra~ que um dia você se exercitou, o que torna mais fácil o retorno ao esporte. O meu corpo, porém, parece não ter a mais vaga lembrança do que aconteceu entre 2010 e 2014. A idade e o peso acumulados de lá pra cá também não ajudam em nada.
Mais uma tentativa
No início desse ano, resolvi, mais uma vez, voltar a praticar exercícios – se não pelo corpo, pelo menos para manter a mente sã (mas a lombar e os joelhos também estavam gritando por socorro). Foi só em maio que a decisão virou ação. Não à toa, voltei a treinar com o Felipe, mesmo professor que me iniciou na corrida, lá em 2010. Eu não sei se um dia vou voltar a correr (ele diz que sim). Mas se, para o Murakami, a corrida ajudou a escrita, no meu caso, o que eu tenho percebido é que a escrita tem me ajudado a manter certa regularidade nos treinos. Porque eu não gosto de fazer exercícios, a verdade é essa - principalmente musculação. E caminhar na esteira também é um porre, convenhamos. Mas é algo que precisa ser feito e o resultado não é rápido, ele demora, é preciso ter constância e disciplina (duas coisas que faltam no meu hd interno).
A escrita tem me ensinado a aceitar esse tempo do processo mais lento. Neste momento, ao mesmo tempo em que encaro a minha 237ª tentativa de voltar a praticar atividade física regularmente, eu estou escrevendo um romance. Dois processos demorados. É uma luta diária contra a ansiedade, que está sempre me cobrando resultados imediatos e me pedindo para desistir.
Além disso, é muito claro para mim que, depois de fazer exercícios, a minha concentração fica bem melhor. Por isso prefiro ir à academia pela manhã, pois assim garanto que no restante do dia terei foco para fazer o que preciso.
Eu admiro quem gosta de correr, de verdade. O Mário, por exemplo, é uma daquelas pessoas que dizem que correr ajuda a pensar na vida, é uma terapia etc. Nunca alcançarei tamanha iluminação. (Aliás, a companhia dele foi fundamental para que eu não desistisse dos treinos da meia maratona). Eu, mesmo que um dia volte a correr, não pretendo mais chegar aos 21 km, porque o processo para chegar lá é, no meu caso, muito sofrido. Acho que 5 km algumas vezes na semana já serão suficientes para manter corpo e mente sãos.
E escrever... Bem, pretendo escrever muito, textos curtos e longos (mesmo que algumas vezes seja também um processo sofrido), pois, para mim, terminar um texto é bem mais prazeroso do que completar uma meia maratona.
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Até o próximo dia 23!
Márcia S.