Um dos últimos livros que li foi Esforços Olímpicos, de Anelise Chen. Neste romance ensaístico, a personagem Athena Chen recebe a notícia de que um de seus melhores amigos se suicidou. Paul era uma pessoa brilhante e a sua morte faz com que Athena inicie uma reflexão sobre o que define a vitória e o fracasso na vida de alguém.
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Fracasso é uma palavra que provoca desconforto em quem ouve. A imagem da pessoa fracassada é a de alguém de cabeça baixa, se arrastando pela vida, sem saída, sem futuro.
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Aos 25 anos, eu já era mãe de dois filhos e não via a hora de voltar a estudar (havia trancado a primeira faculdade). Foi quando iniciei a graduação em Design. Acontece que, ao mesmo tempo em que estava contente por retomar os estudos, eu me sentia velha perto dos meus colegas de 18 anos. Este foi o início de um sentimento incômodo de estar sempre atrasada para a vida. Passei, então, a viver numa corrida para tentar recuperar o tempo perdido – uma corrida inútil. Um tipo de pressa que só serve para somar a sensação de fracasso àquela já bastante desconfortável sensação de atraso.
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Athena, a narradora de Esforços Olímpicos, é doutoranda e desenvolve uma pesquisa sobre esportes. Como acontece com muitos pesquisadores, está sentindo dificuldades para desenvolver sua tese de doutorado. Após a notícia da morte de Paul, ela passa a pensar sobre vencer e perder no esporte como metáforas para a vida. O que é vencer? E o que define a derrota? Desistir é fracassar?
“Por que não há vídeos de atletas que desistem? De toureiros lançando as mãos para o alto e se afastando dos touros que têm de matar? Já deu! Pra mim, chega! Será que não há esses vídeos porque podemos ter empatia demasiada com a desistência?”
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Pensando sobre o fracasso, busquei na estante também o livro As virtudes do fracasso, do filósofo francês Charles Pépin. Para ele, existem maneiras mais suaves de encarar a sensação de derrota. Ele fala sobre várias leituras possíveis para a questão do fracasso: a leitura epistemológica, a dialética, a cristã, a estoica, a psicanalítica e a existencialista. Vou me ater às duas últimas.
A partir de uma visão psicanalítica, o fracasso pode ser visto como ato falho. A epígrafe escolhida por Charles Pépin para iniciar o capítulo já dá o tom da conversa:
“Em todo ato falho há um discurso bem-sucedido.” Jacques Lacan
Com isso, ele quer dizer que: você falha em uma coisa porque, no fundo, deseja outra. Segundo essa leitura, é por esse motivo que muitas vezes, mesmo insatisfeitos, nós repetimos comportamentos que nos desagradam. O fracasso como manifestação de um desejo oculto.
“É que, apesar da insatisfação consciente, tiramos dessas repetições uma satisfação inconsciente.”
Essa visão envolve a compreensão psicanalítica de que temos uma essência, que é definida por esse desejo inconsciente. Uma vida satisfatória é, então, a que mais se aproxima da realização desse desejo.
É aí que se encontra a diferença entre a visão psicanalítica e a existencialista. Para a segunda, não existe uma essência a ser descoberta. Segundo Sartre, principal representante do existencialismo francês, só se pode falar de uma “essência” humana após a morte. Antes da linha de chegada, tudo é caminho e “caminho se faz ao caminhar”, já disse alguém. O segredo da vida satisfatória seria encarar a crise como uma oportunidade de recalcular a rota e explorar novos trajetos.
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Olhando a minha própria jornada, talvez seja mais aconselhável adotar a visão existencialista – o que nem sempre é fácil. Aos 17 anos, meu plano profissional era estudar jornalismo e ser escritora. Precisei recalcular a rota – algumas vezes – e, hoje, quando olho para o passado, a tendência é ver alguns desvios como fracassos. Sendo mais generosa comigo mesma, consigo perceber o que lá atrás eu não sabia: que era preciso dar toda essa volta, acumulando bagagem, para chegar, finalmente, até aqui – até a escrita. Como disse Steve Jobs em um discurso: “Você não pode ligar os pontos olhando para frente; você só pode ligá-los olhando para trás.”
Mas agora, enquanto escrevo, penso – dessa vez buscando a psicanálise – que estar aqui, num fim de tarde, tomando café e escrevendo, talvez seja a tal essência, o desejo inconsciente que eu precisava buscar.
Teriam sido os meus fracassos atos falhos?
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Não sei como terminar esse texto. Levanto, pego mais café, ando pelo apartamento, olho as estantes. Folheio mais uma vez o livro da Anelise Chen, que está na minha mesa. Na página 43, leio este trecho que eu havia sublinhado:
“Não sei o que fazer com meu dia. Mas sei que preciso viver porque ele está ali para que eu o viva.”
Fecho o livro e acho que tudo está dito. No fim, é tudo sobre isso.
Sobre viver.
Oi, sumida.
Sim, esta newsletter desapareceu por seis meses. Mas agora ela está de volta e com uma novidade: assinei contrato com uma editora e vou publicar um livro de crônicas \o/
Depois trago mais informações, mas ele será publicado ainda esse ano. :)
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Até o próximo dia 23!
Márcia S.